segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Na sombra

Quando se nasce ninguém pede para nascer, não nos é dado a escolher, tal como não nos é dado a escolher quem será o nosso pai, mãe, irmãos ou o resto da família.
Ninguém escolhe nascer, tal como ninguém escolhe ir ou não para a escola, é porque tem de ser.
Quando eu nasci, nasci com um gosto amargo. Um gosto de fel de quem não é desejado. De quem entra numa família partida, desestruturada.
Uma vida condicionada, à sombra dos acontecimentos passados, vivida de forma cautelosa, reservada, castradora, para não repetir os erros dos outros, que afinal, no fim de contas, nem eram tão errados assim.
Quando nos habituamos a estar na sombra, ficamos assim mirrados, vergados, cinzentos, humildes e humilhados. Sem a cor, a vida, a postura, a determinação, a coragem de quem vive ao sol, de quem é olhado, cuidado, acarinhado, elogiado, orientado, encorajado, de quem é o centro das atenções mesmo no meio da multidão.

Os anos foram passando, nada melhorou, foi só piorando. Quem não é olhado, cuidado, acarinhado, elogiado, orientado, encorajado, quem não é o centro das atenções de seus pais nos seus primeiros anos, sente-se invisível, perdido, mirrado, vergado, cinzento, humilde e humilhado. Sem cuidado, sem carinho, sem orientação, não tomamos as melhores decisões, não conseguimos ter coragem e empoderamento para atingir os objetivos, e o fracasso começa a fazer parte do nosso dicionário mais vezes do que o desejado.
Nunca tive sucesso, sempre fui mediana, irrisória, mais uma dentro da média.
Também nunca fui absolutamente fracassada, nunca mereci a atenção dos que estão em dificuldades. Mas, lá está, sempre fui mediana, discreta, invisível.
E amargurada, amarga, invejosa, rancorosa. Carrego ainda muitas mágoas e não sei se algum dia me vou libertar delas.
Parece que não, mas é difícil ser-se assim, tão mediano, discreto, invisível, não ser olhado, cuidado, acarinhado, elogiado, orientado, encorajado, não ser o centro das atenções de ninguém, não estar ao sol, viver sempre na sombra...


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